quinta-feira, 20 de setembro de 2007

CAPÍTULO XV

Aquele dia foi particularmente difícil para Felipa. Já se acostumara com a presença de Pedro e passou o seu tempo em silêncio, embora muito tenha lhe valido aquele tempo para pensar.Analisou toda a conversa com o padre, tudo o que sucedeu durante sua prisão e depois dela. Estava consciente de que pela primeira vez realmente assumira sua posição em relação à sua vida sexual e amorosa.Até então, não tinha ficado claro para ela que aprendera a amar, de preferência mulheres. Desde sua experiência com Lise, que havia sido diferente das demais por envolver um sentimento puro e verdadeiro, sentia-se muito mais atraída por pessoas do mesmo sexo. Chegar a essa conclusão foi expurgar o que estava guardado como uma caixa de pandora.Pensou em toda moralidade da época, em como teria sido difícil ouvir sua acusação em público, lembrou das mulheres que freqüentavam seu ateliê de costura, imaginou o que deveria estar passando na cabeça de cada uma, o horror que deveriam estar sentido ao lembrar que ela havia tocado em seus corpos. Evidentemente entendia o que podiam estar sentindo, e o mais provável é que se sentissem enganadas de forma indescritível.Nunca confundira o que fazia com o que sentia, afinal só tinha havido uma única pessoa cujo envolvimento começara naquele quartinho de costura. Nenhum outro relacionamento depois de Elise havia começado através de seus serviços de costureira.Fosse como fosse, aprendeu a aceitar seu jeito de amar ali nas conversas com Pedro.Amanheceu com Felipa ainda perdida em seus devaneios, esperando padre Pedro chegar.Não tardou muito e já estavam sentados para continuar o que devia ser terminado.Pedro, porém, mostrava-se muito mais amável com ela, como se a afeição que sentisse precisasse ser demonstrada, o que para ela foi aceito com imenso prazer, pois já se afeiçoara a ele há muito tempo.Sentados cada qual em seu lugar começaram a “confissão” do dia, Felipa falando e Pedro anotando o que ela permitia.- Paramos fim do meu caso com Quitéria. Vou contar agora o que se passou no ano anterior ao que conheci Paula, que me delatou. Com a partida da minha querida amiga voltei aos meus afazeres, o que, aliás nunca deixei de fazer. A vida corria sem novidades, costurava, cuidava da casa, nunca as minhas obrigações foram colocadas em segundo plano. O tempo passava, e nada nesta terra de meu Deus mudava, até que um dia recebi um recado de Quitéria para que fosse passar um tempo com ela no Recife, onde estava a morar depois da mudança.Animada com a viagem, perguntei ao meu marido se haveria condições de fazê-la, pois apesar de ganhar o meu próprio dinheiro, ele ia para as despesas da casa. Para minha alegria ele concordou, deixou-me passar quinze dias com ela. Fiquei na maior alegria, só precisava de programar o dia certo, pois ela me mandaria buscar. Isso aliviou-me muito, o senhor sabe que uma mulher decente não viaja sozinha. Estava com saudades da minha negrinha, fazia meses que não a via, seria bom para nós duas.A conversa fluía fácil, parecia que já estava em harmonia com relação aos preconceitos.- Quase um mês depois um dos seus escravos estava à minha espera à porta de casa. Despedi-me do Francisco e segui viagem. Já sonhava com o nosso reencontro, estava feliz e animada por conhecer outro lugar que não fosse aquele em que passei quase que a minha vida toda. A viagem foi relativamente tranqüila, mas como era cansativa, nem contei quantas paragens tivemos que fazer. O fato é que cheguei à nova casa de Quitéria cheia de saudades.A casa era muito mais bonita que a de Salvador, muito maior, com muito mais escravos. Devo dizer bem a verdade, padre, até me intimidei. Ela recebeu-me muito feliz, mas sem intimidade nenhuma. O negrinho levou a minha bagagem para o meu quarto e nós duas passamos horas a conversar. Era bom falar com ela novamente, aquilo revigorava-me, mas precisava descansar um pouco da viagem e fui para o meu quarto.Dormi nem sei dizer quanto tempo, foram-me chamar para o jantar. Quando me arranjei e desci, qual não foi a minha surpresa ao ver que não estávamos sós, havia mais três convidadas. Educadamente Quitéria apresentou-me as mulheres que compartilhariam conosco a refeição, todas do Recife, uma mais bonita que a outra, todas brancas. Foi muito agradável a conversa, percebia-se que eram mulheres diferentes, letradas, que falavam qualquer assunto, mesmo os assuntos de homens.Assim passamos a noite. De repente ela puxa-me para um canto e diz - Felipa, uma delas está interessada ti e quer conhecer-te melhor. - Arregalei os olhos, padre, nem imaginava que aquelas mulheres tão distintas e educadas gostavam do que eu e Quitéria gostávamos. Não vou dizer que não gostei do que ouvi, afinal estava na carência da carne, e a bendita é fraca, como já disse ao senhor várias vezes.O padre ouvia e custava-lhe a crer que realmente existia um número maior de mulheres que se entregavam ao amor de outras mulheres do que ele supunha existir, ainda mais em situações como aquela.- Olhei bem para a mulher, que não era tão bonita mas tinha os seus atrativos, pensei “já que estou na chuva, deixe que me molhe”, e aceitei. Acabada a conversa, Duartina, era esse o seu nome, aproximou-se e foi-me levando até ao meu quarto. Sabia que isso tinha sido muito bem montado por Quitéria. O que interessa é que passamos a noite juntas, e mais o restante do tempo que fiquei no Recife. Foi um caso, mas valeu muito, pois aquela mulher ensinou-me coisas da vida que eu desconhecia. Falou-me de tantas coisas, nem sei de onde vinha tanto disparate na cabeça da coitadinha, mas era muito viajada, e falou-me de outras terras, outros países.Naqueles dias não fiquei uma noite sequer com a minha negrinha, bem que senti uma falta danada. Chegou o dia da minha partida para Salvador e eu estava triste por não ter tido um momento com ela. Não posso dizer que não aproveitei o meu tempo lá, passeei e conheci a cidade, muito bonita, por sinal.Depois de arrumadas as minhas coisas foram-me buscar, e na partida, ela aproximou-se de mim e disse - Vou-te convidar mais vezes - e eu respondi - Só se puderes ficar comigo pelo menos uma noite.Deu-me um beijo e voltei para Salvador.O que realmente o padre não entendia era o forte apelo que a carne exercia sobre aquela mulher.Despediram-se e o padre foi-se.

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