quinta-feira, 20 de setembro de 2007

CAPÍTULO V

Quanto tempo será que estava ali trancafiada? Pouco importava, ainda estava viva, e enquanto estivesse ali, continuaria viva!!!Levantou-se do chão, espreguiçou o corpo cansado e dolorido e pensou no dia que teria de prosa com o padre, seu filhinho. Riu do próprio pensamento.“É, só posso é estar ficando louca, já tou a chamar ao padre filho!!!”A porta da cela é aberta violentamente, Felipa vira-se esperando ver o padre Pedro, mas não era dele a figura que estava ali parada diante dela com um ar de autoridade absoluta.A primeira reação da mulher foi encolher-se no canto da cela. O Bispo passava os olhos por ela desde a sua cabeça até os pés, parecia procurar alguma coisa escondida.Completamente apavorada não sabia o que fazer, queria sumir daquele lugar, ou que aquele homem parasse de olhá-la do jeito que estava fazendo.Lembrava-se de que uma vez a sua mãe tinha dito que o medo era a pior coisa que se podia sentir, porque paralisava como veneno de cobra, e que diante de uma cobra o melhor a fazer é não se mover.Assim ficou imóvel, paralisada, a boca já estava branca tamanha a pressão colocada para que os dentes ficassem travados, sentia o sangue correndo pelo corpo de uma forma que o deixava dormente.“Sim, pensou, estou diante de uma cobra traiçoeira e perigosa.”O bispo pediu ao carcereiro que a trouxesse para mais perto, queria olhá-la.Agarrando os braços de Felipa o homem leva-a, colocando-a diante do bispo no meio da pequena cela.Ele passa a inspecioná-la como a um objeto, medindo, analisando, julgando.Finalmente, pergunta:- Tens algo a dizer-me, pecadora?Felipa continuava imóvel, e mesmo que quisesse dizer alguma coisa não teria condições, estava petrificada de medo.E novamente escuta:- Continuas no teu silêncio, criatura do demônio? Soube que tens falado muito com o padre Pedro, já assumiste a tua culpa? Por acaso tentas seduzir o novato?Em escárnio, o bispo continua:- Ah, esqueci-me que não é por homens que tu te atrais, são as outras criaturas da tua laia que te apetecem.Queria abrir a boca, falar alguma coisa, expressar-se, mas nada, a cobra tinha-lhe picado a alma.- És tão porca quanto os que renegam o nome de Cristo, tão vadia quanto a mais baixa criatura da face da terra, só podes ser uma anomalia feita pelo próprio demônio. Deus irá entregar-te nas nossas mãos, para que a justiça a Ele seja feita! Herege, imunda, tu não passas de uma criatura vil, quantas mulheres levaste para o teu caminho, diz!!! Com quantas vadias tu te deitaste? Seria muito melhor perante Deus que entregasses as outras como tu, sabemos que se encontravam para adorar Satanás e praticar atos imorais. Tu sabes que a pena pode ser abrandada se entregares as outras que compartilham contigo desta imundície. Vais ficar aí calada? – gritou o homem.Depois de segundos, disse:- Bem, Deus é testemunha de que tentei.Virando as costas para sair do cárcere, disse em voz alta:- Saibas que voltarei a ter contigo ainda, resta-te tempo para refletir sobre a tua confissão e denunciar as outras.Felipa continuou paralisada em seu medo, não emitia um som, não movia um músculo, não sentia o tempo passar.Agora tinha a certeza do motivo pelo qual estava ali, ouvira da boca do próprio bispo, ele tinha tirado toda a dúvida que ainda pairava sobre a verdade... Quem? Por quê?Tempo!!! Quanto tempo ainda teria? O que teria que suportar?Tempo!!!!!!Levantando os olhos para o teto do abrigo como se olhasse o céu, começou a gritar para Deus, esperando uma resposta:- Por que não me matas de uma vez? Joga-me no meio de abutres, “urubus”, pois é isto que são abutres, todos de preto com olhos famintos de morte, por quê????? Acaba com a vida que me deste, se é que ma deste mesmo, pois aqui estou eu carregando uma culpa por ter seguido o que aprendi nas Tuas Palavras, estou aqui por amor!!! Qual é a minha culpa? Diz-me! Qual é a minha culpa? Por que me deixaste sentir tudo o que senti, faltei-Te com a verdade? Por acaso não falava com o Senhor sobre o meu tormento? Responde-me de onde estiveres! Porque parece que só Te diriges aqueles hipócritas e doentes para saber detalhes, é isto mesmo, detalhes, bem sabe o Senhor o que devem fazer quando estão sozinhos! Doentes! Abutres!!! Urubus!!!! Mata-me de uma vez, e tira-me deste tormento!!!! Por que me fizeste diferente, porque me fizeste amar e querer sentir-me amada não por homens, eu não sabia o que era amor até que me encontrei diante de alguém como eu, se este era o motivo para condenar-me, por que me fizeste assim?????Não suportando mais a tensão por que passou, larga o seu corpo no chão como um saco de grãos e fica ali, pesada, largada.A sua cabeça ensandecida procura um meio de tirar a sua vida ali mesmo, naquela hora, sabia que aqueles homens eram espertos, nem um pedacinho de madeira deixavam à mão, nada, olhava o chão buscando algo que pudesse usar para dar cabo do seu sofrimento, nada, nem o tecido que lhe envolvia o corpo seria suficientemente maleável para conseguir apertar o seu pescoço, nada. Desistiu e caiu num pranto que levava a nada!!!Nada!!!“Pobre Francisco”.Era a única coisa que lhe vinha à cabeça e repetia sem cessar.“Pobre de ti, não merecias passar por isso. Perdoa-me, já te pedi tantas vezes perdão, peço mais uma vez, perdoa-me. Tu não mereces o que devem estar a fazer contigo aí fora. Culpa minha! Culpa minha!”Tinha o marido como pai ou o irmão que nunca teve, não se recriminava pelo que viveu, mas sim pelo que tinha causado a Francisco.“Pobre de ti, homem!!! Que fosse pelas tuas mãos a minha morte, o meu martírio, não pelas mãos destes hipócritas mais podres do que eu. Se alguém tinha o direito de me amaldiçoar eras tu, não esta corja, e ainda em nome de Deus"!!!!!!“Por que não me mataste enquanto pudeste? Eu contei-te tudo e tu não fizeste nada, por que não me tiraste a vida? Poupaste-me para isto? Não pensaste que serias tão punido quanto eu? Por que te calaste e me deixaste solta, livre como se não te importasse? Querias que eu passasse por isto, pois estás passando comigo, nisso não pensaste!!! Pobre de ti.”.Naquele dia, quando o padre chegou, não quis recebê-lo. Ficou-se martirizando o resto do dia até o sono chegar, mas ele não veio.Não, naquela noite nada lhe vinha à cabeça a não ser o motivo de estar ali. O quanto se afligiu ao saber o que sentia nos braços de outra mulher! Mas foi aquela a única forma pela qual conheceu o verdadeiro amor. Não foi atrás dele, foi o amor que chegou até ela dessa forma, o que poderia ter feito? Negado? Negou por tempos, negou. Fugido. Tentou, mas o que sentia era mais forte do que a força que trazia dentro de si. Não iria culpar-se, não, chega, aprendeu e foi feliz, mais do que poderia supor que jamais seria, não iria negar o que havia feito, não negaria a ninguém nem que isso lhe custasse à vida. Já havia negado demais para muita gente, agora sabia que seria do conhecimento público e não abaixaria a cabeça pela vida que teve.Ali envolta em pensamentos e reflexões decidiu o seu destino.Mesmo que, pelo que tinha ouvido do homem, sentisse um gosto de fel na boca a perturbar-lhe o estômago.

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