quinta-feira, 20 de setembro de 2007
CAPÍTULO XI
O coração de Pedro sentia um alívio imenso, parte de sua obrigação seria cumprida, e com a anuência de Felipa. Sabia que mais do que isso podia custar-lhe a vida, porém não a forçou a aceitar a confissão, uma vez que já tinha permissão para entregar os escritos aos seus superiores.Entrando em seu pequeno quarto guardou os papéis e solicitou que lhe entregassem algo para fazer suas anotações de forma oficial. O pedido chegou aos ouvidos do Bispo, que mandou chamá-lo à sua sala.Pensando no que iria dizer rumou na direção que lhe foi ordenada. Ao chegar diante da porta entalhada, de uma riqueza impressionante, pensou em como a vida dos servos de Deus era diferente. Não que se incomodasse com seus aposentos, mas havia outros em pior situação que ele. Olhou com desgosto e bateu à porta.Ouviu a voz desagradável do Bispo mandando que entrasse e fechasse a porta atrás de si.- Muito bem padre, quer dizer que aquela profana resolveu falar? – perguntou, em tom de desdém.- Sim, Eminência, ela concordou em fazer a sua confissão - respondeu.- E as denúncias? Ela fará?- Sinceramente, Eminência, não posso responder, pois nada foi dito a esse respeito, creio que as palavras e as denúncias virão conforme ela for-se confessando dos seus erros. Não quis pressionar a acusada, receando que se calasse.O Bispo olhava para o seu anel, analisando as palavras de Pedro.- Fizeste bem... com um pouco de persuasão da tua parte, com certeza ela entregará as que faltam ser punidas. Soube que requisitou material para fazer anotações.- Sim, Eminência, ela permitiu-me que escrevesse toda a confissão. Mas está fraca, muito debilitada, fala aos poucos, muitas vezes precisa de uma pausa para descansar, o senhor sabe que a alimentação não contribui para que tenha forças suficientes. Mesmo devagar, ela falará.- Quero isso o mais rápido possível, nem que tenhamos que aumentar a ração do dia. Que pensas disso?- Eminência, não seria correto que eu pudesse opinar por decisões que competem ao senhor e aos demais inquisidores.- Boa resposta padre, boa resposta... pensarei em algo que possa colaborar com a confissão da imoral. Agora pegue o material necessário e não perca tempo, o Tribunal de Lisboa pressiona-nos.- Posso-me retirar, Eminência?- Sim, claro, saia... Vá descansar, amanhã terás mais um dia cheio pela frente... saia.Beijou o anel do Bispo mais uma vez, retirou-se, pegou no que necessitaria para as suas anotações e dirigiu-se aos seus aposentos. Lá anotou o relato do dia, com as devidas ressalvas.Tirou a batina, a única que tinha, e deitou-se. O sono foi mais tranqüilo naquela noite.Na prisão, Felipa, lembrando-se do que havia dito e ouvido do padre, pôde sentir uma doce e profunda calma na sua alma.Todas aquelas recordações vindas à tona em suas conversas com Pedro faziam Lise cada vez mais presente em seus pensamentos. Agora não mais tristes, mas recordações como de um soldado em guerra que se lembra dos bons dias vividos para poder prosseguir nos dias incertos.Deitada, sonhava acordada:“Belos olhos que meus já foram um dia, que ao fitarem-me o rosto enchiam-se de alegria, quão sensuais eram quando sorriam das minhas infantilidades! Lembro-me das tuas mãos pequenas sempre em movimento, como se não pudessem parar, quantas vezes, nas nossas brincadeiras, lhes dei bofetadas com carinho para que sossegassem, somente para sentir o toque das minhas mãos contra as tuas! Não estou aqui por ti, mesmo que estivesse teria valido a pena amar-te muito mais que ser amada.”“Às vezes imagino-te aqui comigo apenas para que possa adormecer, a minha imaginação é uma nascente de um riacho, começa num fio, alonga-se quase a perder de vista, possibilita-me sentir-te aqui, os teus cabelos vermelhos como fogo, lembro-me deles espalhados na relva, o contraste era impressionante, vermelho e verde qual bandeira de Portugal.Quantas vezes penso que descobrimos o impossível de ser descoberto, o amor na mais pura forma, não me sinto suja como querem que me sinta, quanto mais penso em ti mais pura, limpa sinto-me, tive contigo o que muitos sonharam e sonham sem jamais conseguir.“Acalenta-me num sono em que possa sentir que nele estás e me dê forças, minha amada, para que possa enfrentar a dor da realidade que rogo a Deus jamais possas sentir. Deita-me em teus braços e faz-me dormir.”E Felipa dormiu sentindo paz, mesmo com todo pesadelo à sua volta, não pensou em nada, sonhou como há muito nem pensaria que fosse possível.A madrugada ia alta, foi despertada por gritos apavorantes, sentou-se ouvindo o terror que rondava aquele lugar, tapava os ouvidos, não queria ouvir, sabia o que estava acontecendo, cada vez mais os gritos se tornavam mais altos, mais assustadores, encolhia-se num canto, cobria a cabeça, sentia-se tonta, nada podia fazer, sabia que logo seria chegada a sua hora. Num ato de desespero começou a gritar, mesmo sabendo que ninguém a escutaria:“Não gritarei, não darei esse gosto aos que esperam ver-me em pranto e agonia, não derramarei uma lágrima sequer, podem-me surrar, podem-me torturar, façam o que quiserem comigo, nenhum som sairá dos meus lábios, nada!!! Nunca!!! Jamais!!!! Se tiver que morrer morrerei calada, sem que nunca possam dizer que reagi como uma arrependida. Nunca!!!!!”Os gritos cessaram, mas o sono de Felipa não voltou, e passou o resto da noite tremendo feito criança, carente, sozinha, esperando que a alvorada lhe trouxesse um pouco de calma.
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