quinta-feira, 20 de setembro de 2007

CAPÍTULO VIII


Fora da prisão, Pedro pensava em tudo o que Felipa havia lhe contado desde o momento em que entrou em seu catre pela primeira vez.Sabia, antes de conhecê-la, de tudo que estava sendo acusada, mas conforme a conhecia negava-se a crer que fosse verdade. Ainda podia ver aquela mulher sensível, meiga, um tanto ou quanto infantil, mas transparente. Não imaginava de sua boca saindo uma mentira. Agora sabia, nem que o chocasse ela faria isso.Foi andando lentamente até chegar à Igreja onde auxiliava outro padre, visto que havia chegado há pouco do seminário.Entrou no refeitório ainda vazio, estava esgotado tanto física como emocionalmente, queria apagar Felipa de sua cabeça e tudo o que ela havia lhe contado.Parado com a cabeça entre as mãos, não percebeu a entrada de dois homens, o bispo e mais um que não era de ordem alguma, era apenas um homem. Levantou a cabeça, foi até o bispo, beijou-lhe o anel, cumprimentou o outro homem e ia se retirando quando escutou a voz do seu superior:- Padre Pedro, poderia dar-nos um minuto da vossa atenção?Apanhado de surpresa, porém admirado pela deferência, voltou-se e disse:- Claro, Eminência! Estou à vossa disposição.- Poderíamos sentar-nos?- Claro! Claro! Onde deseja sentar-se, Eminência?- Pode ser aqui mesmo, estamos a sós por enquanto, se por acaso alguém adentrar iremos para outro lugar.- Sim, senhor! Estou aqui para atendê-lo, podes falar – disse, olhando para o homem que acompanhava o bispo.- Como anda aquela herege que tens ouvido?- Está melhor, Eminência, já se pode ver que está mais animada.- Não sejas inocente padre, estou a perguntar se a mulher já fala alguma coisa, pouco me importa se ela está melhor ou não, o fim será o mesmo, com ânimo ou sem ânimo. Ela tem contado-te algo que confirme as denúncias?O padre não sabia o que dizer, ainda bem que estava sentado – pensou - será que trairia Felipa? Mas traí-la do quê? Da verdade que estava à sua frente? De toda aquela podridão que lhe havia contado? Não a desprezava, mas desprezava o que tinha feito, com certeza se não tivesse sido impedida por alguém continuaria a fazê-lo.Mesmo assim não sabia o que dizer. Precisava de tempo para que pudesse pensar, a pressão por enquanto estava branda, sabia que em certo momento aumentaria a ponto de colocar o seu sacerdócio em risco.- Eminência tenho feito o possível para que se abra comigo, ela realmente tem-me dito coisas a respeito da vida dela, dos seus pais, do seu casamento, mas não denunciou ninguém. Não até agora.- Então, de agora em diante, a sua missão será a de retirar a verdade e conseguir que denuncie as companheiras daquela filha do diabo - e olhando Pedro com o olhar que Felipa definira tão bem como “de abutres” riu, olhou para o homem ao seu lado e disse-lhe – Quero que aquela praticante do roçadinho abra a boca! Isto não é um pedido, padre, é uma ordem!Apesar de chocado com o palavreado do bispo, respondeu:- Sim, Eminência.- Assim que achar necessário voltaremos a conversar.Assumindo uma atitude pomposa, olhou-o demonstrando todo o poder a ele conferido:- Pode-se retirar. Logo terás notícias minhas.Pedro dirigiu-se aos seus aposentos, muito parecidos com os de Felipa, sem conforto nenhum a não ser a cama, o colchão de palha, uma mesinha ao lado com um lampião e a sua bíblia.Olhando para aquele ambiente, pensava no que acabara de ouvir, não podia deixar de sentir uma certa antipatia pelo bispo e pelo seu companheiro. Como havia maldade na maneira com que falavam!!! Sabia que a sua posição era delicada demais, Felipa já falava, confessando-se a si mesma, e a Elise, se bem que nada podia fazer contra a outra, nada tinha de concreto.Pensou em quantas vezes quis ser um inquisidor, fazer parte daquela limpeza contra os pagãos, hereges e outros tantos que desonravam o nome de Deus e da Santa Madre Igreja. Será que conseguiria ser tão vil com Felipa, o que iria acontecer-lhe já estava decidido, nada que fizesse podia mudar o seu destino.O que queriam mais que ele fizesse àquela mulher? Que aflições esperavam que ela pudesse suportar? Até quando poderia manter em segredo aquilo que sabia?Ajoelhou-se e orou:“Deus, que atitude hei de tomar perante a vossa Igreja, poderei negar o que sei? Hoje, depois de conhecer aquela mulher, seria justo traí-la de forma tão baixa? Meu Pai que estais no céu, orientai-me, pois mesmo conhecendo a vossa palavra e sabendo da luta que travamos contra aqueles que querem manchar o Vosso nome, sentir-me-ei traidor e sem caráter se contar o que Felipa me disse em confissão. Não teria ela esse último privilégio, poder confessar-se e arrepender-se? Pois eu sei, Meu Pai, que no fim ela se arrependerá de ter pecado contra Ti”.Continuou um bom tempo nessa mesma posição orando e pedindo a Deus orientação.Na prisão reinava o silêncio absoluto, nada se movia a não ser os insetos e animais peçonhentos. Os guardas dormiam, mesmo que a ordem fosse para que ficassem alertas durante a vigília.As celas estavam todas cheias, a maior parte dos prisioneiros dormia ou estava em silêncio.Numa delas, porém, uma das mulheres encarceradas - e eram muito poucas as que ali estavam - fazia a vigília pelos guardas.Lembrava-se da conversa com o padre. Muito mais de Elise do que da conversa em si.Ainda podia sentir o seu cheiro, a maciez da sua pele, ouvir a sua risada limpa, vê-la movendo-se pelos lugares onde foram. Podia sentir o toque suave em seu corpo, lembrar o amor que juntas viram nascer, mas não morrer. Evitava pensar em Lise, sempre evitou nesses quatro anos passados. O amor que sentiu por aquela mulher não seria nunca igualado a nada que sentira depois dela.Foi nos seus braços que descobriu o que era amor, preencheu os vazios, acalmou o seu coração. Sabia que Lise a tirara de um estado depressivo e apático em relação à vida, ela ensinou-lhe que a vida só seria vivida através do amor.Que importava se fosse por uma mulher ou por um homem, o que mantinha as pessoas vivas era a capacidade de amar, Lise sabia disso. Quantas vezes teve vontade de ir ao seu encontro e começar tudo outra vez.Sabia que sua partida tinha sido por vontade própria, não havia lhe pedido para acompanhá-la? Mas não podia abandonar seu casamento.Pensava que teria sido muito melhor o escândalo na época do que ter exposto todos aqueles que a amavam hoje.Como pôde ter sido tão egoísta com Lise? Com o que havia entre elas? Acabou fazendo a mesma coisa com o marido, arrasou com a vida daquele pobre infeliz.Vil criatura, estragastes vidas, muitas vidas, inclusive a tua!!!Mudando completamente a direção dos seus pensamentos, lembrou-se do padre e de tudo o que lhe havia contado.Sabia que havia destruído a imagem que tinha criado dela, mas não mentiria, já havia mentido por muito tempo, com o que lhe restava de vida não valia a pena mais mentiras.Será que a desprezaria por ser quem era? Será que voltaria e a trataria com a mesma consideração que antes?Seria uma desilusão, tamanha a afeição que tinha pelo moço.Pensou:“Será que o que eu vivi é tão abominável assim? Não feri ninguém... Feri, sim, será que não enxergas a verdade à tua frente? Feri Francisco, feri os meus pais, feri os meus amigos, feri a Lise, e agora feri o padre."Cega!!! - dizia a si mesma – tu, além de egoísta és cega, Felipa, só te viste a ti, a mais ninguém...Contradizia-se no mesmo instante.Não!!! cega não, tu só procuraste ser amada e amar, isso não faz de mim uma criminosa, errei, sei que errei com muita gente, mas não comigo.Merda!!!!! - gritava.Eu só queria ser feliz!!!Que erro existe em ser feliz???Não segui nenhum padrão moral, isso não seria um problema meu?Quantas mulheres faziam o que ela mesma fez e não estavam ali pagando pelos seus atos?Seria ela quem iria carregar e sofrer o que as outras escondiam, ou mesmo mentiam?Paula!!! Tu sim és má, e onde estás agora?Escondida?Não!!!Impossível, se foste tu quem colocou-me cá , algo te aconteceu? Não a deixariam livre? Fizeste o mesmo que eu, se contaste o nosso caso e disseste o que fez, eu não estava sozinha, não fiz nada sozinha e bem sabes disso. Quem poderia dizer que tu me ensinaste coisas que, com todo amor que ainda sinto por Lise, desconhecia. Tu, sim, eras uma devassa, imoral, sem contar que o fazias em segredo... Puta de verdade!!! Não a amaria jamais!!! Foi esta a tua vingança? E eu não acreditei em ti...E se dissesse alguma coisa contra ti? Foste tu quem me procurou!!!Tu foste minha amante e carrasco... Devo a minha morte às tuas mãos!!!

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